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Relatos de pesquisa
Emoções e Racismo na Academia: relato de uma pesquisa em andamento.
Porto Alegre, outubro de 2024
O projeto de pesquisa “Racismo, violência estrutural, e emoções na mira da antropologia”, que venho desenvolvendo em parceria com Ceres Víctora, professora do PPGAS/UFRGS e coordenadora do NUPACS (Núcleo de Pesquisa em Antropologia do Corpo e da Saúde), teve seu início em 2019, como uma forma de ação afirmativa na Pós-Graduação. A motivação da parte dela veio da convivência cotidiana com alunes que acessaram a universidade por meio das ações afirmativas para pessoas negras, indígenas e PCDs, seus relatos e interpelações especialmente na sala de aula das disciplinas de “Sofrimento Social e Violência”, “Antropologia das Emoções” e “Antropologia do Corpo e da Saúde” ministradas por ela no âmbito da graduação e pós graduação. Da minha parte, a motivação veio de minha trajetória de estudos e pesquisas sobre religiões de matriz africana e acadêmico-militante com coletivos remanescentes de quilombos, na qual o Instituto de Assessoria às Comunidades Remanescentes de Quilombos (IACOREQ) tem papel fundamental.
Minha chegada no NUPACS como pós-doc interessado nas relações entre casa e corpo no batuque gaúcho, bastante inspirado pelo artigo “A mãe do corpo dentro do corpo da mãe” fruto da pesquisa de Ceres Víctora sobre sexualidade, reprodução e imagens de corpo, foi o ponto de partida para pensarmos em conjunto com estudantes negras e negros algum projeto que abarcasse seus interesses de pesquisa e de aprofundamento na leitura de bibliografia de autoras e autores negros, sobretudo quando falavam sobre emoções e saúde. Haja vista, que meu projeto dialogava com a noção de casa como chave para pensar o parentesco negro, tal como desenvolvido por Louis Marcelin. Desse modo, escrevemos um projeto guarda-chuva no qual eu passaria a estudar racismo e intolerância religiosa a partir das emoções, outros trabalhos de diferentes estudantes tratavam de temas como violência obstetrícia com recorte racial, movimentos LGBTQIA+, raça e emoções, educação antirracista e emoções e violências contra mulheres negras. No âmbito desse projeto promovemos uma serie de debates que teve início com a palestra da psicóloga e mestranda em saúde coletiva, Jéssica Barcelos, sobre o livro “Tornar-se Negro” de Neuza Santos. Na semana seguinte, tivemos com a professora do PPG em Saúde Coletiva da UFRGS, Fernanda Bairros, sobre saúde da população negra. Estudamos saúde e corpos indígenas a partir de uma série de leituras e de palestras da então doutoranda, Fanir Macuxi, também do NUPACS à época.
As palestras e reuniões para o estudo da temática tornaram-se discussão central nas reuniões do NUPACS o que levou à criação de um Grupo de Estudos de Antropologia, Raça, Etnicidade e Saúde – ARES – que promoveu estudos e debates e pude criar e ministrar a disciplina de “Corpo, raça e racismo”, na qual lemos apenas autoras e autores negros e indígenas. Segundo o grupo de estudantes que participaram, a disciplina era algo inédito nas ciências sociais da UFRGS. Fui convidado, em nome do NUPACS, a falar em Mesa Redonda Remota sobre Ações Afirmativas. Trouxe o tema de como nós, brancos, poderíamos de deveríamos contribuir para o debate sobre relações raciais. Como, já que em lugar de privilégio, éramos os professores e professoras, tínhamos obrigação de incluir raça em todas as disciplinas. Minha exposição foi seguida da de Osmundo Pinho sobre o número de negros e negras na pós-graduação e algumas dificuldades. Alunas e alunos negros seguiam com dificuldades nas relações com o corpo docente e com a inclusão do debate racial em seus diferentes interesses de pesquisa. O ARES acabou sendo um lugar de apoio durante esse período, como espaço virtual para a discussão sobre as pesquisas que tinham raça e uma bibliografia composta por autores e autoras negras como centrais para teses e dissertações.
Esse breve relato de ações e de como o projeto surgiu, estão aqui não para reivindicar um lugar de salvação das agruras do racismo à brasileira, esse do “fascismo da cor”, da continuidade da “forma social escravista”, como formulou o sociólogo Muniz Sodré. Antes disso, nosso projeto demonstra as dificuldades de se levar as ações afirmativas para negres ao nível da inclusão de autoras/es negres nos planos de todas as disciplinas e da escolha empírica das pesquisas de alunas e alunos negros que se afastaram e desistiram da pós-graduação, por sentirem que não era pertinente tematizar sobre raça, a partir de autoras/es negres, em seus campos empíricos. Isso fez com que, em 2022, submetêssemos o mesmo projeto, com algumas alterações e com a inclusão do universo de pesquisa como sendo os próprios alunos e alunas negras do PPGAS, ao CNPq. Como raça e racismo eram sentidos, experimentados e elaborados através das emoções nos pareceu um tema inovador na antropologia brasileira. Estudar a própria pós-graduação era um desafio e as medidas éticas, além de garantirem o anonimato de nossos colaboradores, deveriam respeitar o anonimato de professoras e professores mencionados, para não prejudicar nenhum dos interlocutores que abriram suas vidas e contaram sobre experiências emocionais que foram desde à violência do racismo até o orgulho de estar na universidade pública.
A primeira pergunta a um/a interlocutor/a sobre se aceitava participar da pesquisa e dar uma entrevista gravada, teve como resposta: “Cauê, eu acho que tu deverias estudar a branquitude primeiro”! Com essa afirmação/questionamento sempre em mente, demos continuidade à uma série de entrevistas com mestrandos e doutorandos negros a fim de cumprir o primeiro ano de pesquisa e incluir no pedido de prorrogação a necessidade da inclusão de interlocutores brancos, de modo a propiciar uma interpretação dos afetos raciais e racistas desde o ponto de vista daqueles que, normalmente, não se pensam como racializados. Como falar de raça, sem ouvir o que brancos tem a dizer sobre suas experiências emocionais, também. Aqui deve ficar claro que, pensamos as emoções como racializadas, como sugere Lia Vainer Schucman Essa etapa da pesquisa de campo ainda está por acontecer. Não obstante, criamos um tópico especial no PPGAS sobre Emoções e Racismo, no qual abriremos o semestre com o debate sobre branquitude e fecharemos com o debate sobre o “ato racista”, passando pelo sofrimento social e o afropessimismo. Desde o início, nossa pesquisa, nosso projeto de pesquisa, incluiu ensino e uma proposta de ação afirmativa pela escuta e pela criação de ambientes de “boas práticas”, como formulou a antropóloga Vera Rodrigues sobre os espaços nos quais o sofrimento e a violência não eram as principais emoções experimentadas por estudantes negros da UFRGS.
O que pudemos inferir até agora, para além do sofrimento e das violências, é um complexo emocional que expressa e é (porque é) expressão do racismo, pensado como uma estrutura sentimental. Essa, é traduzida por uma gramatica emocional racializada, na qual desejo, orgulho, ansiedade, medo, cuidado, adoecimentos e a própria vida como intrínseca ao estudar encadeiam narrativas e gestualidades emotivas ao falar da experiência de estar na pós-graduação. Por ora, podemos afirmar a complexidade do discurso verbal e não-verbal, que ao ser performado abole dicotomias como vítima/agressor, alegria/tristeza, indivíduo/socialidades ou sociações e nos permitem, formular algumas questões, pensando uma antropologia que deva, sempre, dar um passo atrás e desacelerar suas hipóteses e premissas. São elas:
É através das emoções que o racismo, como como imagem da ordem dos afectos e afetos faz sentido?
O racismo, assim como raça, é vivido como um complexo emocional racializado?
Estruturas sentimentais e uma gramática emocional racializada produzem e comunicam “afecções racializadas e afecções racializantes”?
Tanto o racismo, quanto a violência produzida por ele que narrada nas entrevistas apontam para um pré-objetivo, um antes da palavra, ou como formulou Sodré (2023) aquilo que não se consegue falar, apenas se sente, como “olhares”, “gestos”, “precipitações”?
O que a emoção faz com os corpos efetuados com alegria, conquista, orgulho, desistência, dor?

Cauê Fraga Machado
PPGAS/UFRGS
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